PROCESSO Nº: 0801290-80.2017.4.05.8201 - AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU: RUBENS GERMANO COSTA e outros
ADVOGADO: Rodrigo Oliveira Dos Santos Lima e outros
6ª VARA FEDERAL - PB (JUIZ FEDERAL TITULAR)


SENTENÇA - TIPO A

I. RELATÓRIO

Trata-se de ação civil pública movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de RUBENS GERMANO COSTA, SAULO JOSE DE LIMA, JURANDIR RONALDO DA SILVA, ROBERTO JOSE VASCONCELOS CORDEIRO e SEVERINO MARCAL JUNIOR, pela suposta prática de atos ímprobos praticados na execução do Convênio nº 830/2004, celebrado entre a FUNASA e o Município de Picuí/PB.

Alega, em síntese, que:

a) o presente feito foi instaurado em virtude de fraude ao procedimento licitatório Convite n° 02/2007, celebrado entre a Prefeitura de Picuí/PB e a FUNASA, com verba federal oriunda do Convênio n° 830/2004, para a reconstrução de casas no âmbito do programa de melhoria habitacional para o controle da doença de Chagas, tendo tais fatos ocorrido na gestão do ex-Prefeito RUBENS GERMANO COSTA (2005-2012);

b) foi deflagrada a Operação Transparência (IPL nº 411/2009), na qual foram identificadas empresas de fachada, usadas para montar licitações, enquanto os procedimentos eram forjados pelos servidores dos Municípios envolvidos, com a ciência e participação do prefeito, travestindo de legalidade os contratos administrativos pactuados;

c) o objeto da apuração foi o Convite nº 02/2007, instaurado pela edilidade supracitada, com recursos federais, durante a gestão de RUBENS GERMANO COSTA, no qual foram descobertas irregularidades na execução físico-financeira do objeto licitado;

d) participaram da licitação as pessoas jurídicas SJL Construções e Serviços Ltda., FC Projetos e Construções Ltda. e Camat Construtora Ltda. Contudo, constatou-se que a SJL e a FC são pessoas jurídicas comprovadamente "de fachada", utilizadas para simular falsas competições em licitações previamente direcionadas e cujas obras eram irregularmente executadas;

e) os demandados SAULO JOSÉ DE LIMA e JURANDIR RONALDO DA SILVA forneceram a documentação de suas empresas para simular uma falsa competição no Convite nº 02/2007, já tendo conhecimento prévio de qual seria a empresa vencedora;

f) RUBENS GERMANO COSTA, por sua vez, na qualidade de prefeito do Município de Picuí, homologou o Convite nº 02/2007, mesmo estando repleto de irregularidades e ilegalidades, sendo conivente com a fraude do certame favorável à empresa SJL Construções e Serviços Ltda., pertencente ao seu amigo íntimo, SAULO JOSÉ DE LIMA;

g)SEVERINO MARÇAL JÚNIOR (engenheiro responsável pela fiscalização da obra em nome da Prefeitura de Picuí) e ROBERTO JOSÉ VASCONCELOS CORDEIRO (engenheiro representante da SJL Construções e Serviços Ltda.) assinaram o termo de aceitação da obra e o último boletim de mediação sem que a execução dos serviços estivesse acabada.

Os réus foram notificados pessoalmente, nos termos do art. 17, §7º, da Lei nº 8.429/92.

Nesse quadro, os promovidos JURANDIR RONALDO DA SILVA, RUBENS GERMANO COSTA, SEVERINO MARÇAL JÚNIOR E ROBERTO JOSÉ VASCONCELOS apresentaram defesa preliminar nos seguintes termos: a) SEVERINO MARÇAL JÚNIOR e ROBERTO JOSÉ VASCONCELOS sustentaram, preliminarmente, a prescrição da pretensão sancionatória do MPF; b) JURANDIR RONALDO DA SILVA advogou, preliminarmente, ilegitimidade passiva e, no mérito, inexistência de indícios de sua autoria; c) RUBENS GERMANO COSTA, por sua vez, alegou inexistência de atos ímprobos e pugnou pela rejeição da inicial.

O MPF apresentou réplica às defesas preliminares, asseverando que não houve prescrição e pugnando pelo recebimento da inicial em relação a todos os réus.

Foi proferida decisão interlocutória acolhendo a prescrição da pretensão em relação aos réus SEVERINO MARÇAL JUNIOR, ROBERTO JOSE VASCONCELOS CORDEIRO, SAULO JOSÉ DE LIMA e JURANDIR RONALDO DA SILVA, tendo a inicial sido recebida apenas em relação a RUBENS GERMANO COSTA.

RUBENS GERMANO COSTA apresentou contestação sustentando a improcedência da ação sob as seguintes alegações: a) aprovação das contas perante o órgão convenente FUNASA; b) ausência de conluio reconhecida pelo acusador; c) manifesta inexistência de atos ímprobos; d) e ausência de dolo.

O MPF interpôs agravo de instrumento em face da decisão que declarou a prescrição da pretensão autoral referente à aplicação das sanções por ato de improbidade administrativa aos acusados SEVERINO MARÇAL JÚNIOR, ROBERTO JOSÉ VASCONCELOS CORDEIRO, SAULO JOSÉ DE LIMA e JURANDIR RONALDO DA SILVA, tendo, no TRF5, sido deferido o pedido de efeito suspensivo no tocante à parte da decisão agravada que decretou a prescrição em relação aos citados réus.

Em razão do referido efeito suspensivo quanto ao citado agravo, este juízo determinou a reinclusão dos demandados SEVERINO MARÇAL JÚNIOR, ROBERTO JOSÉ VASCONCELOS CORDEIRO, SAULO JOSÉ DE LIMA E JURANDIR RONALDO DA SILVA no polo passivo da demanda, tendo recebido a inicial também em relação a eles.

SEVERINO MARÇAL JÚNIOR apresentou contestação pugnando pela extinção da demanda em face da ocorrência da prescrição.

ROBERTO JOSÉ VASCONCELOS CORDEIRO apresentou contestação sustentando a prescrição da pretensão e pugnando pela improcedência da ação de improbidade.

SAULO JOSÉ DE LIMA apresentou contestação sustentando a prescrição e improcedência da ação sob as seguintes alegações: a) inexistência de qualquer indício de prova capaz de demonstrar um mínimo de responsabilidade do peticionário na fraude alegada; b) ausência de atos de improbidade; c) ausência de dolo.

Este juízo declarou a revelia do réu JURANDIR RONALDO DA SILVA.

Em audiência de instrução e julgamento realizada foram colhidos os depoimentos pessoais dos réus RUBENS GERMANO COSTA, SEVERINO MARÇAL JÚNIOR, ROBERTO JOSÉ VASCONCELOS CORDEIRO, SAULO JOSÉ DE LIMA e JURANDIR RONALDO DA SILVA, bem como ouvidas as testemunhas Francinete Pereira da Silva, Francisco Canidé da Silva Dantas, Carlos André de Medeiros, Atemário Gomes dos Santos, Jean Roniie Azevedo Dantas, Francinaldo dos Santos e José Gianni Medeiros Costa.

O MPF e todos os réus apresentaram razões finais escritas, tenho o Parquet reiterado o pedido de procedência da ação e os réus seus pedidos de improcedência.

É o relatório. Passo ao julgamento.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Destaco, em primeiro lugar, que a pendência do trânsito em julgado do agravo de instrumento nº. 0810427-17.2018.4.05.0000 (no qual se discute a prescrição da pretensão em relação a parte dos réus) não obsta o julgamento desta ação, tendo em vista tanto a atribuição de efeito suspensivo ao referido recurso (pág. 843 do pdf integral dos autos) como o fato de que o Recurso Especial interposto contra a decisão proferida no referido agravo não possui o condão de suspender o que restou decidido pelo TRF 5ª Região no sentido de afastar a prescrição em comento.

Nesse quadro, inclusive, em razão de a aludida prescrição já ser objeto do citado agravo de instrumento, passo diretamente à análise do mérito propriamente dito, sem necessidade de nova deliberação judicial acerca da questão prejudicial do mérito em apreço.

Pois bem.

Esta ação de improbidade administrativa versa sobre suposta fraude no bojo do Convite nº. 02/2007, bem como de suposto desvio dos recursos repassados por meio do Convênio nº. 830/2004, ocorrido no Município de Picuí/PB, realizado para a reconstrução de casas no âmbito do programa de melhoria habitacional para o controle da doença de Chagas.

Passo à análise separada dos supostos atos de improbidade versados neste feito.

- Da fraude ao Convite nº. 02/2007 

Segundo o MPF, os promovidos RUBENS GERMANO COSTA (na qualidade de então Prefeito do Município de Picuí), SAULO JOSÉ DE LIMA e JURANDIR RONALDO DA SILVA, mediante ajuste fraudulento para direcionar o resultado do Convite nº. 02/2007 em favor da empresa SJL CONSTRUÇÕES E SERVIÇOS LTDA., frustraram a licitude do referido procedimento licitatório.

De acordo com o Parquet, SAULO JOSÉ DE LIMA e JURANDIR RONALDO DA SILVA forneceram a documentação de suas empresas para simular uma falsa competição no Convite nº 02/2007, pois, de antemão, todos já sabiam qual seria a empresa "vencedora".

Referida conclusão do MPF de seu com base nas seguintes premissas:

a) foram constatadas diversas irregularidades formais (ausência de numeração, realização de vários atos em um único dia, publicação limitada, documentos de habilitação incompletos) no processo administrativo referente ao Convite nº 02/2007; 

b) participaram do Convite em foco as empresas SJL Construções e Serviços Ltda, FC Projetos e Construções Ltda e Camat Construtora Ltda, destacando-se que as firma FC e SJL eram empresas de fachada, pelo fato de terem sido registras em nome de laranjas, bem como porque, apesar de não possuírem estrutura, quadro de funcionários e de não recolherem tributos, detinham receitas milionárias (conforme evidenciado pela Operação Transparência);

c) e RUBENS GERMANO COSTA (então Prefeito do Município de Picuí/PB) é amigo de infância de SAULO JOSÉ DE LIMA (proprietário, de fato, da empresa vencedora SJL). 

Pois bem.

No caso, as irregularidades formais no processo administrativo do certame em tela, por si só, não são aptas a conduzir à conclusão pelo dolo do então Prefeito em fraudar a licitação em comento.

Contudo, referidas irregularidades, aliadas ao fato de referido Prefeito ser amigo íntimo do proprietário de fato da empresa vencedora (amizade incontroversa nos autos), torna inviável acreditar que referido Prefeito não tinha conhecimento do caráter de fachada das empresas FC e SJL (até mesmo porque JURANDIR e SAULO JOSÉ, proprietários de fato das firmas, não eram sócios formais das empresas), valendo ressaltar que a inidoneidade das citadas empresas (desbaratadas pela Operação Transparência), devidamente demonstrada pelo MPF, não foi desconstituída por qualquer das partes promovidas.

Sobre a inidoneidade da empresa SJL, para reforçar a fundamentação, vale registrar que Francisco Canindé da Silva Dantas (sócio formal), ouvido em juízo, afirmou que era o motorista de SAULO JOSÉ DE LIMA e confirmou que era apenas um laranja da SJL que atuava sob as ordens de SAULO JOSÉ.

Sobre a inidoneidade da empresa FC, também para reforçar a fundamentação, vale destacar que JURANDIR RONALDO, em seu depoimento judicial, admitiu que tinha procuração para gerir a empresa, inclusive movimentar contas bancárias, chegando a afirmar, ainda, que em determinado período ficou à frente da empresa, o que leva à conclusão de que ele era o efetivo responsável pela referida firma.

Nesse quadro, a despeito da ausência de comprovação de superfaturamento de preços em razão da fraude em tela, conclusão outra não há senão de que houve intenção conjunta de RUBENS GERMANO COSTA, SAULO JOSÉ DE LIMA e JURANDIR RONALDO DA SILVA em direcionar o resultado do certame para a empresa SJL CONSTRUÇÕES E SERVIÇOS LTDA, destacando-se que o fato de a terceira empresa, a Camat Construtora, não figurar no rol das firmas de fachada desbaratadas pela Operação Transparência, não infirma a conclusão acerca da fraude em apreço.

Como já dito alhures, o principal dado a caracterizar o elemento subjetivo dos réus no direcionamento da licitação é a amizade íntima (de infância) entre RUBENS GERMANO COSTA e SAULO JOSÉ DE LIMA, elemento subjetivo este que resta reforçado pelo fato também incontroverso de que a escolha das empresas para o certame ficou a cargo do próprio Prefeito RUBENS GERMANO, o qual, além de ter convidado as empresas, também subscreveu o contrato administrativo com o sócio formal da SJL (Francisco Canindé da Silva Dantas), tendo, contudo, afirmado em juízo que tinha conhecimento de que as empresas FC e SJL pertenciam a JURANDIR RONALDO e a SAULO JOSÉ (sendo este último, como já dito neste decisum em mais de uma oportunidade, amigo íntimo do aludido gestor municipal,).

Feitas estas considerações e não tendo os réus comprovado fatos que possuíssem o condão de desconstituir as acusações em comento contidas na peça vestibular, conclui-se que foi frustrada a licitude do Convite nº. 02/2007, destacando-se que tal conduta, desde que preenchidos os demais requisitos legais, reclama a aplicação dos arts. 10, caput e inciso VIII, além do 11, caput, da Lei nº 8.429/92, cujas disposições seguem transcritas:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

(...)

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente; 

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

Consoante se pode inferir, a incursão do agente nas condutas tipificadas no art. 10 requer, para além da comprovação do elemento subjetivo (dolo ou culpa), a ocorrência de dano ao erário.

No caso dos autos, embora se tenha reconhecido a frustração do caráter competitivo do Convite nº. 02/2007, em nenhum momento o MPF comprovou superfaturamento de preços (ou seja, que os preços contratados estiveram acima do valor de mercado), motivo pelo qual, como a fraude à licitação, por si só, não teve o condão de ocasionar dano ao erário, descabe aplicar o art. 10 da LIA em virtude da referida fraude.

Por outro lado, contudo, entendo que as condutas em apreço por parte dos promovidos em comento encontram-se abarcadas pela previsão do art. 11, caput, da Lei nº 8.429/92, uma vez que não há como cogitar-se que os demandados deixaram de agir com dolo, tendo restado evidenciado que eles agiram realmente com finalidade de atingir fim ilícito (afastar a competitividade), nos termos acima expostos.

- Das ilicitudes ocorridas na execução do contrato administrativo relativo ao Convênio n° 830/2004 

Conforme tabela colacionada à peça inicial, o MPF demonstrou que todas as verbas relativas ao Convênio n° 830/2004 foram liberadas, bem como os respectivos pagamentos foram efetuados à empresa contratada ainda durante a gestão de RUBENS GERMANO na Prefeitura de Picuí/PB (gestão esta que se encerrou no ano de 2012). Tal fato, além de incontroverso, encontra-se devidamente amparado nas notas fiscais, notas de empenho e recibos constantes às págs. 283 do pdf integral dos autos.  

O Parecer Técnico Final nº. 213/2011 da FUNASA (pág. 379/380), contudo, concluiu que o atingimento do objetivo do Convênio, àquela e´poca, foi de 85,71%.

Já o Parecer Técnico Final nº. 60/2014 da FUNASA (pág. 399/400) concluiu que o atingimento do objetivo do Convênio alcançou o percentual 104,41%.

Segundo o MPF, não houve comprovação de que as irregularidades na execução do contrato foram sanadas ainda na gestão do ex-prefeito RUBENS GERMANO, já que ele exerceu o cargo de prefeito até 2012 e nova vistoria foi solicitada apenas pela gestão do Prefeito sucessor Acácio Araújo Dantas (pág. 406 do pdf integral dos autos), que comunicou a correção das irregularidades, fato que levou o MPF à conclusão de que o Município teve de despender recursos além daqueles relativos ao Convênio para corrigir as falhas detectadas pela FUNASA.

Pois bem.

Registro, desde logo, que, no entender desta magistrada, a violação às etapas obrigatórias da despesa pública, por si só (em não havendo dano ao erário em decorrência de tal irregularidade), não configuraria a desonestidade necessária à configuração de ato de improbidade administrativa.

No caso, todavia, a maneira do desenrolar da execução do contrato em foco demonstrou, sim, dano ao erário, o que faz configurar ato de improbidade administrativa independentemente da necessidade de análise acerca do elemento subjetivo dolo. Explico.

A última medição da obra em questão aconteceu em 30/01/2008 (págs. 368/372 do pdf integral dos autos) e a aceitação definitiva da obra em 06/03/2009 (pág. 375 do pdf integral dos autos).

Conforme expôs o Parquet, apesar de se presumir que os serviços estivessem finalizados quando a última medição ou, no máximo, quando da aceitação definitiva da obra, o então Prefeito RUBENS GERMANO celebrou, após estes eventos, mais dois termos aditivos de prorrogação da vigência do Contrato nº. 02/2007 (págs. 279/280 do pdf integral dos autos), estendendo sua execução até meados de 2010 (5º aditivo em 03/07/2009 - pág. 229 do pdf integral dos autos e 6º aditivo 11/12/2009 - pág. 232 do pdf integral dos autos).

Da cronologia destes eventos, conclui-se que, apesar da realização da última medição e do termo de aceitação definitiva da obra, os serviços não haviam sido concluídos conforme registrado formalmente, de modo que os pagamentos foram realizados antecipadamente, ou seja, sem a correspondente execução física do objeto.

Como já dito acima, a simples violação às etapas obrigatórias da despesa pública não necessariamente configura a desonestidade necessária à configuração do ato de improbidade administrativa, em havendo completa execução do objeto do contrato administrativo.

Todavia, no caso, mesmo após os aditivos irregulares, em vistoria realizada em 05/10/2010, a FUNASA constatou que o percentual de atingimento do objeto era de apenas 85,71% (conforme Parecer Técnico 213/2011, já referido acima), destacando-se, ademais, que o MPF apontou uma grave irregularidade na execução do convênio: um dos cheques emitidos pela Prefeitura de Picuí em favor da SJL, referente à 4ª Medição da obra, no valor de R$ 14.161,56 (Cheque nº 850.004), consta inexplicavelmente como "pago a Rubens Germano Costa", consoante anotação aposta em seu verso (pág. 387 do pdf integral dos autos), o que demonstra que o ex-Prefeito também se beneficiou das verbas federais do Convênio nº 830/2004.

Em seu depoimento judicial, RUBENS GERMANO negou que tenha recebido o valor do cheque nº 850.004, sustentando que a expressão "Pago a Rubens Germano Costa", constante no verso do cheque, significava que o pagamento foi por ele autorizado, tendo aduzido, ainda, que se o valor do cheque houvesse lhe beneficiado, o MPF teria tido a cautela de quebrar o sigilo, pois o valor haveria transitado em suas contas.

Ocorre que, conforme extrato da conta específica do Convênio (pág. 323 do pdf integral dos autos), o cheque foi sacado na boca do caixa, justamente para evitar que os valores transitassem na conta do beneficiário, o que deixa claro o desvio do montante em questão em favor do réu em comento, conforme muito bem exposto pelo Parquet (isso sem falar que a justificativa sobre a expressão "Pago a Rubens Germano Costa" não foi sequer razoável ou convincente).

Outras irregularidades apontadas pelo MPF e não desconstituídas pela parte promovida (que apenas reforçam a ideia de execução irregular do Convênio) foi que o demandado RUBENS GERMANO, quanto às duas primeiras parcelas do Convênio nº 830/2004, no valor total de R$ 63.998,74, não teria comprovado a realização de despesas apenas de R$ 63.603,08. Além disso, não teria prestado contas da última parcela de recursos, no valor de R$ 16.000,36, e não comprovado o pagamento da contrapartida do Município, no valor de R$ 1.675,13.

Nesse quadro, mesmo sem adentrar de maneira esmiuçada nestas últimas referidas irregularidades apontadas pelo MPF, os elementos até então já abordados e devidamente demonstrados pelo Parquet já deixam mais que claro que tanto RUBENS GERMANO quanto SAULO JOSÉ (proprietário de fato de empresa contratada) devem ser responsabilizados por todo o dano ao erário decorrente da não execução integral do Convênio n° 830/2004 durante a gestão do primeiro referido réu.

A responsabilidade de RUBENS GERMANO decorre do fato ter efetuado pagamentos por serviços não realizados (tanto que a obra não foi finalizada durante sua gestão) e de SAULO por ele ter sido beneficiado por tais pagamentos sem a completa contraprestação através da realização completa dos serviços contratados.

Igual responsabilidade também deve recair sobre SEVERINO MARCAL JUNIOR (engenheiro responsável pela fiscalização da obra em nome da Prefeitura de Picuí/PB) e ROBERTO JOSE VASCONCELOS CORDEIRO (engenheiro representante da SLJ Construções e Serviços Ltda).

Isso porque ambos assinaram o último boletim de medição em 30/01/2008 (pág. 372 do pdf integral dos autos), bem como o termo de aceitação da obra em 06/03/2009 (pág. 375 do pdf integral dos autos) sem que a execução dos serviços estivesse realmente acabada.

Nesse quadro, vale destacar que, questionado em juízo se fez a medição da obra, SEVERINO MARÇAL respondeu que "assinou" e que a empresa era quem fazia a medição, não tendo sabido justificar porque assinou o último boletim de medição em janeiro de 2008 e só veio a subscrever o termo de aceitação da obra um ano depois. Também não soube explicar o porquê foram celebrados aditivos após a lavratura do termo de aceitação da obra.

Por sua vez, ROBERTO JOSÉ afirmou em juízo que era responsável técnico da SJL, tendo informado que executava a etapa e solicitava à Prefeitura para que o Engenheiro fiscal, SEVERINO MARÇAL, realizasse a medição.

Assim, os réus SEVERINO MARÇAL e ROBERTO JOSÉ negam ter efetuado as medições da obra, apesar de terem subscrito os boletins de medição e o termo de aceitação, fato que, por si só, faz concluir que eles praticaram ato de improbidade administrativa, por terem contribuído para o dano ao erário versado neste processo. 

Feitas todas essas considerações, entendo que as condutas dos promovidos RUBENS GERMANO, SAULO JOSÉ, SEVERINO MARÇAL e ROBERTO JOSÉ, relativamente às ilicitudes ocorridas na execução do contrato administrativo relativo ao Convênio nº. 830/2004, encontram-se abarcadas pela previsão do art. 10 da Lei nº 8.429/92.

- Da aplicação das penas 

Conforme exposto acima, os réus RUBENS GERMANO COSTA e SAULO JOSÉ DE LIMA praticaram tanto o ato de improbidade administrativa relativo à fraude ao Convite nº. 02/2007 (art. 11 da LIA) quanto a ilicitudes ocorridas na execução do contrato relativo ao Convênio n° 830/2004 (art. 10 da LIA).  

JURANDIR RONALDO DA SILVA, por sua vez, praticou apenas ato de improbidade administrativa relativo à fraude ao Convite nº. 02/2007 (art. 11 da LIA).

SEVERINO MARÇAL JÚNIOR e ROBERTO JOSÉ VASCONCELOS CORDEIRO praticaram apenas ato de improbidade administrativa relativo a ilicitudes ocorridas na execução do contrato relativo ao Convênio n° 830/2004 (art. 10 da LIA).

Assim, todos os réus devem ser sujeitos às sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92, destacando-se que, por questões pragmáticas, o valor do dano a ser ressarcido ao erário deverá ser calculado com base no percentual do objeto do Convênio que deixou de ser executado durante a gestão de RUBENS GERMANO no município de Picuí, ou seja, 14,29% do valor total do Convênio (uma vez que o último Parecer da FUNASA ainda na gestão do referido réu deu conta do atingimento do objetivo do Convênio em 85,71%).

Frise-se, também, que a aplicação das referidas sanções, além de levar em conta a extensão do dano, também devem levar em conta o proveito auferido pelos agentes, a teor do art. 12, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92. Há que se considerar, igualmente, a intensidade do dolo na realização da conduta e o interesse público lesionado. Além disso, o julgador não irá aplicar as sanções de forma automática, devendo atentar para a pertinência das mesmas à situação de cada agente ímprobo.

Assim sendo, a cada um dos réus devem ser aplicadas as seguintes sanções:

RUBENS GERMANO COSTA:

a) ressarcimento integral do dano, em valor equivalente a 14,29% do valor total do Convênio, com a devida incidência de juros e correção monetária;

b) perda do valor de R$ 14.161,56, ilicitamente acrescido ao seu patrimônio, com a devida incidência de juros e correção monetária;

c) suspensão dos direitos políticos por oito anos;

d) pagamento de multa civil em montante equivalente ao dobro valor do dano;

e) e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

SAULO JOSÉ DE LIMA:

a) ressarcimento integral do dano, em valor equivalente a 14,29% do valor total do Convênio, com a devida incidência de juros e correção monetária;

b) suspensão dos direitos políticos por oito anos;

c) pagamento de multa civil em montante equivalente ao dobro do valor do dano;

d) e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

JURANDIR RONALDO DA SILVA:

a) suspensão dos direitos políticos por três anos;

b) pagamento de multa civil em valor equivalente ao da remuneração que percebia o então Prefeito do Município à época dos fatos;

c) e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

SEVERINO MARÇAL JÚNIOR:

a) ressarcimento integral do dano, em valor equivalente a 14,29% do valor total do Convênio, com a devida incidência de juros e correção monetária;

b) suspensão dos direitos políticos por cinco anos;

c) pagamento de multa civil em montante equivalente ao valor do dano;

d) e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

ROBERTO JOSÉ VASCONCELOS CORDEIRO:

a) ressarcimento integral do dano, em valor equivalente a 14,29% do valor total do Convênio, com a devida incidência de juros e correção monetária;

b) suspensão dos direitos políticos por cinco anos;

c) pagamento de multa civil em montante equivalente ao valor do dano;

d) e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

III - DISPOSITIVO 

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, apreciando a lide com resolução de mérito (art. 487, inciso I, CPC/2015), para condenar cada um dos réus às seguintes sanções:

RUBENS GERMANO COSTA:

a) ressarcimento integral do dano, em valor equivalente a 14,29% do valor total do Convênio, com a devida incidência de juros e correção monetária;

b) perda do valor de R$ 14.161,56, ilicitamente acrescido ao seu patrimônio, com a devida incidência de juros e correção monetária;

c) suspensão dos direitos políticos por oito anos;

d) pagamento de multa civil em montante equivalente ao dobro valor do dano;

e) e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

SAULO JOSÉ DE LIMA:

a) ressarcimento integral do dano, em valor equivalente a 14,29% do valor total do Convênio, com a devida incidência de juros e correção monetária;

b) suspensão dos direitos políticos por oito anos;

c) pagamento de multa civil em montante equivalente ao dobro do valor do dano;

d) e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

JURANDIR RONALDO DA SILVA:

a) suspensão dos direitos políticos por três anos;

b) pagamento de multa civil em valor equivalente ao da remuneração que percebia o então Prefeito do Município à época dos fatos;

c) e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

SEVERINO MARÇAL JÚNIOR:

a) ressarcimento integral do dano, em valor equivalente a 14,29% do valor total do Convênio, com a devida incidência de juros e correção monetária;

b) suspensão dos direitos políticos por cinco anos;

c) pagamento de multa civil em montante equivalente ao valor do dano;

d) e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

ROBERTO JOSÉ VASCONCELOS CORDEIRO:

a) ressarcimento integral do dano, em valor equivalente a 14,29% do valor total do Convênio, com a devida incidência de juros e correção monetária;

b) suspensão dos direitos políticos por cinco anos;

c) pagamento de multa civil em montante equivalente ao valor do dano;

d) e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

Sem honorários advocatícios ante a impossibilidade de o MPF receber tal espécie de numerário.

A multa civil aplicada aos condenados será revertida em favor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, criado pela Lei nº 9.008/95.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Havendo recurso voluntário, intime-se a parte recorrida para apresentar contrarrazões no prazo legal e, após, remetam-se os autos ao TRF 5ª Região independentemente de qualquer juízo de admissibilidade sobre o recurso de apelação eventualmente interposto (art. 1.010, §3º do CPC/2015).

Após a certificação do trânsito em julgado:

a) oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral para comunicar a suspensão dos direitos políticos dos réus;

b) oficie-se à Administração Federal; ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba; ao Banco Central do Brasil - BCB; ao Banco do Brasil S/A; à Caixa Econômica Federal - CEF; e ao Banco do Nordeste do Brasil - BNB, dando notícia desta sentença, para que eles observem a proibição dos condenados contratarem com o Poder Público;

c) providencie-se o registro deste processo no Cadastro Nacional de Condenações Cíveis por Ato de Improbidade Administrativa do Conselho Nacional de Justiça - CNJ;

d) intime-se a parte autora para providenciar a execução do capítulo referente ao pagamento de multa civil.

Campina Grande, data de validação no sistema.


 ASSINADO ELETRONICAMENTE

LUÍZA CARVALHO DANTAS RÊGO

Juíza Federal Substituta da 10ª Vara/PB,
respondendo pela Titularidade da 6ª Vara/PB